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  • Tragédia da Lagoa: 50 anos depois, Justiça Federal preserva memória de um episódio que marcou João Pessoa
    Última atualização: 23/08/2025 às 09:46:00


    Processo histórico está em exposição no Memorial da JFPB, no edifício-sede

     

    Na tarde de 24 de agosto de 1975, durante as comemorações do Dia do Soldado, João Pessoa foi palco de uma das maiores tragédias de sua história. A embarcação militar Portada M-2, cedida pelo Exército para passeios gratuitos no Parque Solon de Lucena, afundou em poucos minutos, provocando a morte de 35 pessoas, das quais 29 eram crianças. 

    O então juiz federal Ridalvo Costa, que atuava na JFPB à época — posteriormente promovido a desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e hoje aposentado emérito — registrou em suas memórias:  

    “Semana da Pátria de 1975. A ‘portada’ (era assim que se chamava o barco do Exército) fazia passeios na Lagoa, completamente lotado. Era um belo passeio e gratuito. Uma grande massa afluiu ao ponto marcado para o embarque. De repente, o barco, afastado das margens, pendeu para um lado, gerou-se o pânico e foi ao fundo rapidamente. Morreram trinta e cinco pessoas. Muitas vítimas sem salva-vidas, outras sem saber nadar, algumas ficaram presas na lama do fundo da Lagoa, retiradas por heróis anônimos e pelo trabalho organizado dos bombeiros.” 

     

    A voz de quem sobreviveu 

    Uma das crianças presentes no barco era Amélia da Cruz Fonseca, hoje diretora da 16ª Vara da Justiça Federal. Ela recorda os instantes de pânico: 

    “Após fazer o passeio de barco com uma amiga de minha mãe, pedi para ir novamente e foi, nessa segunda volta, que o barco virou e afundou. Lembro apenas de 'flashes'… Quando caí na água, alguém me pegou e me colocou para ficar agarrada em algo que parecia parte da balsa e me falou para ficar quieta. Em seguida, a lancha do Exército passou, me pegaram, me sacudiram dentro dela e depois me jogaram na beira da Lagoa. Uma mulher que estava no local me levou até minha casa, bem em frente à Lagoa, e me entregou à minha mãe. Ela era turista, vinda de Recife. Nesse dia, a Lagoa, nosso cartão postal, foi palco de uma das maiores tragédias da cidade. Muita gente morreu, a maioria crianças.” 

    O episódio, de repercussão nacional, está preservado na memória institucional. Um dos processos judiciais resultantes encontra-se em exposição no Memorial da Justiça Federal na Paraíba (JFPB), no edifício-sede, aberto ao público de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h. 

     

    Ações judiciais e responsabilização da União 

    As primeiras ações indenizatórias só foram ajuizadas dois anos depois do acidente, em 1977, diante da negativa de reparação administrativa pelo Governo Federal. As demandas buscavam indenizações por danos materiais e morais, responsabilizando a União pelo acidente.  

    Ridalvo Costa registrou em seu testemunho: “Estudei com muito cuidado o primeiro processo, que serviu de base para os demais julgamentos. Adotei a doutrina da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, desenvolvida por Hely Lopes Meirelles, como teoria do risco administrativo”. 

    As sentenças dele e do juiz federal Francisco Xavier Pinheiro reconheceram a responsabilidade civil do Estado, condenando a União ao pagamento de pensões e indenizações. O Tribunal Federal de Recursos confirmou as decisões. 

    Trâmites longos e complexos 

    A Comissão de Gestão Documental da JFPB, ao analisar o caso em 2011, identificou três processos de grande relevância histórica. 

    - Primeiro processo (1977–2000): beneficiou Hermes Pessoa de Almeida, que perdeu esposa e três filhos, e José Barros de Araújo, que perdeu um filho. 

    - Segundo processo (1980–1996): envolveu 13 famílias e 20 vítimas, com condenação da União ao pagamento de pensões proporcionais ao salário mínimo da época. 

    • - Terceiro processo (1980–2011): ajuizado por Manoel Alves da Silva, que perdeu a esposa. A tramitação se estendeu por mais de três décadas devido às sucessivas habilitações de herdeiros. 

    • Ao todo, 16 famílias foram contempladas, recebendo pensões ou valores retroativos por meio de precatórios. A duração dos processos foi impactada por habilitações de herdeiros, impugnações da União, divergências sobre cálculos e até períodos de inércia processual. 
     

    Legado jurídico e humano 

    A tragédia da Lagoa consolidou, na Paraíba, a aplicação da responsabilidade civil objetiva do Estado em casos de acidentes envolvendo serviços públicos. Para Ridalvo Costa, o episódio também demonstrou respeito institucional: “Em pleno regime de exceção democrática, as autoridades da Guarnição Militar de João Pessoa portaram-se respeitosamente com a Justiça Federal. Foi muito bom que tenha sido assim. Tive paz para exercer o meu trabalho”. 

    Cinquenta anos depois, o episódio ainda ecoa na memória coletiva e nos arquivos da Justiça Federal, como símbolo de dor, mas também de afirmação do papel do Judiciário em assegurar reparação às vítimas e preservar a história da sociedade paraibana. 

     

     

    Por: Seção de Comunicação Social da JFPB - imprensa@jfpb.jus.br





     

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